The Real Johnny Bravo

Histórias de um livro chamado vida

Já sentia-me melhor do joelho, embora não estivesse completamente recuperado, ainda tinha os pontos. Nos primeiros dias, de volta a Coimbra, ia à boleia com o Marcio para as aulas mas com o passar do tempo conseguia dobrar o joelho o suficiente para conduzir a minha moto e já não dependia de ninguém.
O tempo que estive a recuperar em Lisboa não foi fácil, a minha mãe já não estava em casa e a moral do meu pai não era a melhor. Para agravar a situação ganhei uma infecção no joelho e a carne começou a sobrepor os pontos, o que fez com que as minhas idas ao centro de saúde da avenida de roma fossem bastante dolorosas! Tive o apoio da Joana Santos o tempo todo a dar-me mimos e do meu pai, os dois estiveram sempre presentes nessas alturas.
Devido ao tempo que estive em Lisboa, tinha perdido alguma matéria e precisava de por em dia os trabalhos práticos, por isso decidi passar o fim-de-semana de 29 e 30 em Coimbra, para colocar a matéria em dia. Os trabalhos eram muitos e o limite de entrega era até dia 10, uma sexta-feira, para complicar mais a situação, tinha-me comprometido a entregar um cartoon, ao clube de banda desenhada, na segunda-feira seguinte.
No dia 9 de Dezembro de 1993, estava mergulhado nos estudos no meu quarto da casa de Coimbra. Ainda não tinha saído de casa o dia todo, faltei às aulas nesse dia com o intuito de terminar os trabalhos todos pois a última coisa que eu queria era passar outro fim-de-semana em Coimbra a estudar! Já passara a hora de jantar e eu continuava embrenhado nos trabalhos e foi então que tomei uma decisão, precisava de uma pausa! Saí de casa a pensar em desafiar o Márcio para um café e como estava com preguiça de ir a pé, fui tirar a mota da garagem. Subi a rua e bati à porta, a Sara disse-me que ele não estava em casa, fui ao café que ficava a cerca de 20 metros de casa do Marcio e não o encontrei, tomei um café e decidi voltar para os estudos.
Sentei-me na mota, calcei as luvas e pus o capacete, liguei a mota e arranquei, comecei a descer a rua, não fiz mais que setenta metros. Voltei a estar lúcido uma semana depois!
Recordo-me desse acordar como se fosse hoje, não conseguia mexer-me, não sentia o corpo mas senti-me muito pesado, virei a cabeça o máximo que pude e vi a minha mãe, parecia que tinha perdido anos de vida, os seus olhos denunciavam que tinha estado a chorar, o meu pai estava lá também, falava com um médico enquanto a minha mãe se acercava da minha cama. Segurou-me a mão, eu não senti a sua mão, a minha cabeça estava muito confusa e ela disse-me: - Como te sentes? Tiveste um acidente, foi muito grave... Não conseguiu dizer mais nada, as lágrimas levaram a melhor, foram mais fortes. O meu pai já estava perto de nós, mais o médico. Foi então que soube, eu estava paraplégico!
O médico explicou-me que tinha partido a coluna, fractura em L2 e L3 com desvio da coluna de cinco centímetros, teria de ser operado mas o mais provável era nunca mais voltar a andar. Estavam à espera de uma mesa especial para poderem transportar-me para o bloco operatório, que deveria demorar quinze dias a vir e que enquanto aguardavam estava a fazer tracção. Tracção é ter uma bandelete de ferro espetada no crânio preso por um cabo de aço que na outra extremidade têm um peso à cabeceira da cama e dois ferros cravados nos joelhos, também com outros dois cabos e pesos a fazerem tensão no sentido dos pés da cama. Isto fazia com que a minha coluna estivesse estabilizada. Senti-me revoltado com a ideia estabelecida de que nunca mais andava e não aceitei-a, disse ao médico que voltaria a andar, que ele estava enganado.
Os primeiros dias foram difíceis, estava taciturno e praticamente não falava com ningém. Não lembrava-me de nada do que se tinha passado, quis saber como tinha sucedido o acidente e os meus pais descreveram-me o que sabiam. Eu vinha a descer a rua Carlos Seixas e atravessou-se um carro à minha frente que pretendia entrar para a garagem de um prédio, o condutor não se apercebeu que eu vinha no sentido oposto, não fez pisca e deu-se a colisão, não tive tempo para esboçar qualquer reacção, não sabiam dizer-me mais pormenores, supostamente eu tinha sobrevoado o carro e aterrei do outro lado, quando o condutor saíu do automóvel eu estava lúcido e disse-lhe que não sentia o corpo. Ninguém soube explicar como, mas a verdade é que tanto os pais do Marcio, como o Ni e a Teresa souberam do acidente ainda antes de eu dar entrada no hospital. Foi o Ni que telefonou para Lisboa, a contar ao meu pai, o que tinha sucedido. Mais tarde o Marcio contou-me qual era estado da Cagiva, estava destruída, parecia um daqueles blocos de sucata, mas em formato miniatura e que a única coisa estranha, era faltar o tubo de escape de carbono que eu tinha comprado à um mês, o mais provável é ter sido furtado no local do acidente.
Há certas coisas que estão traçadas na nossa vida. Planeava passar o dia todo em casa, porque tive de sair? Porque levei a mota para ir ao café? O destino estava escrito... mas não era o mesmo destino que os médicos vaticinaram.

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