The Real Johnny Bravo

Histórias de um livro chamado vida

Esta história não segue a ordem cronológica mas achei melhor despachar as amarguras de uma vez só para depois colocar outros posts com histórias mais divertidas.
Estávamos em 1995 e tinham-se passado quase dois anos desde o acidente. Durante esse tempo dediquei-me aos estudos e estava plenamente integrado no ambiente académico de Coimbra. Fiz muitas folias, estive presente em duas queimas das fitas, namorisquei bastante e continuava a fazer fisioterapia numa clínica privada três vezes por semana. Recuperei bastante, mais do que seria possível prever e andava com uma canadiana por uma questão de equilíbrio. A grande mazela com que fiquei foi não ter força a cem porcento na perna esquerda e ter de usar uma tala no pé pois era quase desprovido de movimento. Nada que me complicasse muito a vida, tendo em conta o primeiro prognóstico.
Entretanto tinha mudado de casa e vivia num belo apartamento na rua de Aveiro. Vista magnífica, bem decorado e partilhava-o com um colega da Arca, o André. Nunca quis partilhar uma casa, gosto muito da minha privacidade mas o André foi um caso diferente. Tinhamos uma ligação muito forte porque ele também tinha sofrido um acidente grave. Ficou com o joelho em mau estado, o que o obrigava a utilizar uma canadiana para se movimentar. Era a casa dos coxos! Ao André devo o meu amor pela fotografia, paixão que foi partilhando comigo durante o breve tempo em que vivemos juntos.
Durante esse período, quando vinha a Lisboa ficava em casa do meu pai em Linda-a-Velha e ganhei maturidade para finalmente perceber que muitos conhecidos não são sinónimo de amigos e passei a ser mais reservado com as pessoas com quem convivia em Lisboa... poucos mas bons! Num desses fins-de-semana, em Novembro, vim para baixo apanhado por uma arreliante gripe e cheguei mais cedo do que o previsto a casa, deveriam ser aí umas seis da tarde. Andei a semana toda com uma ideia que o André me pôs na cabeça: várias vezes por semana ele andava de bicicleta para exercitar o joelho e achava que eu também conseguiria andar de bicicleta, o que ajudaria a melhorar a massa muscular da perna esquerda. Fiz o caminho para Lisboa a pensar na bicicleta do meu irmão que estava na garagem e que se calhar era capaz de me pôr nela. Ao chegar a casa estacionei ao lado do portão, fui colocar as minhas coisas lá em cima e voltei a descer. Estava com um nervoso miúdo e só pensava que era louco por tentar aquilo, ia cair, era o mais certo! Pior, ia doer bastante!
Ganhei coragem, abri o portão e lá estava ela. Primeiro sentei-me para ver qual era a sensação, estive uns bons cinco minutos parado e feito parvo olhava para baixo, como que a tentar dizer aos pés para começarem a pedalar e depois olhava para a frente e dizia a mim mesmo: - Vai! Vai! Não tenhas medo! Fui! Comecei a pedalar, com o primeiro susto a ser a descida do lancil! Equilibrei-me e dei uma volta ao quarteirão, já me sentia confiante e tentei uma segunda volta, mas a perna já acusava cansaço, então voltei para trás e ao chegar perto de casa o meu pai acabara de estacionar o carro. Saiu, olhou para mim a sorrir e veio na minha direcção para me ajudar a desmontar. Abraçou-me e disse que devia ter esperado por ele mas eu nestas coisas tenho de ser assim. Respondo ao impulso e tenho de o fazer sozinho!
Fomos jantar, como era hábito, ao Copas. Não tinha qualquer intenção nessa noite de sair, visto estar engripado e a Vera ligou-me para saber se ia lá ter a casa. Disse-lhe que em princípio não ia mas que se fosse sair ia buscá-la. A seguir liga-me a Joana Santos, que me tentou convencer a sair, precisava de boleia e acabei por ceder. Despedi-me do meu pai e fui ter com a Joana Santos e com a Joana Steglich. Para meu espanto estavam com o Zimbabué!
O Zimbabué era um daqueles cromos que buscam incessantemente a atenção de todos os que o rodeiam e de uma maneira que chega a incomodar. A alcunha de Zimbabué fui eu que lha pus pois o tipo tinha lá nascido. Vestia-se à Elvis e estava sempre com um sorriso na cara que soava a falso. Para ser sincero nunca simpatizei com ele mas como a Joana Santos andava envolvida com o tipo... Tinha de o aturar!
Tomei café e dirigimo-nos os quatro para o Alfa Romeo com o intuito de ir buscar a Vera. Por essa altura já estava farto do Zimbabué! Esteve o tempo todo a chatear-me por causa do meu carro. Que o carro era isto, que era aquilo, que não tinha isto... é preciso paciência! Uma pessoa dá boleia e ainda tem de aturar estes filmes. Quando cheguei a casa da Vera já estava pelos cabelos!
Seguimos para a discoteca Subsolo e aí tive um pouco de descanso do Zimbabué. Encostei-me ao balcão com a Vera a acalmar-me e com ela a dizer para não ligar às conversas do indivíduo. Enquanto isso, ele foi para a pista dançar com as Joanas e só me foi deu para rir. O tipo fazia lembrar um Michael Jackson de terceira a dançar! Que ridículo! O meu descanso não durou muito, o Zimbabué teve de vir meter conversa comigo ao balcão, era mais forte do que ele! Eu de sorriso amarelo, para não arranjar confusão, ia aceitando as observações.
Finalmente convenci as miúdas a irmos embora, ia possesso, deixei a Vera em casa, ela despediu-se com um, acalma-te, e segui para Moscavide. Porque Moscavide? ainda hoje não sei... Meti na cabeça que o Zimbabué morava para aqueles lados. Entrei na avenida de Berlim muito depressa, depressa de mais... Estava a ferver. Não é desculpa eu sei que não devia ter perdido a cabeça mas que não é fácil, aí isso não é! Quase ao final da avenida tenho a plena noção que vou a desacelarar, quando vejo um vulto a vir da direita para o meio da estrada, guinei o volante, a roda da frente do lado direito bate no separador e entrei em peão, fiz uma volta completa, já não tinha controlo no carro e enfie a minha porta por um poste a dentro. O poste partiu-se me três, o carro desfeito e entre a minha porta e a consola não cabia um palmo de mão! Eu estava lá!
Acordei no hospital, no dia seguinte. Estava nos cuidados intensivos, desorientado, um enfermeiro, ao aperceber-se que eu tinha acordado chegou-se perto da cama e disse: - Você teve um acidente, os médicos estão a tentar tudo mas em principio vão amputar-lhe a perna. Chorei e roguei-lhe para que não o fizessem e antes de voltar a desfalecer, perguntei se alguém se tinha ferido, a resposta foi um não , estavam todos bem... Adormeci a pensar no meu passeio de bicicleta.

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