The Real Johnny Bravo

Histórias de um livro chamado vida

Os acontecimentos que vão ler, sobre a minha estadia em S. José, por mais bizarros que vos pareçam, são verídicos.
O acidente na avenida de Berlim foi aparatoso ao ponto de os clientes que se encontravam na bomba de gasolina, no fim da avenida, terem fugido com o estrondo do poste a cair.
A primeira pessoa a recuperar a consciência foi a Joana Steglich, que vinha sentada a meu lado, ao acordar entrou em pânico, sentiu o peso da minha cabeça sobre o seu ombro, viu sangue e pensou que eu estava morto mas aos poucos fui recuperando a consciência, o que não invalidou que se mantivesse em pânico. A Joana Santos estava bem e o Zimbabué tinha um pequeno corte de vidro na cabeça, mais tarde teve de levar dois pontos. Eu encontrava-me entalado no meu lugar, com dores e ainda meio zonzo. O Zimbabué lembrou-se de me tirar do carro e puxou-me pelos ombros até conseguir retirar-me do carro. As calças começaram a jorrar sangue, como se de um filme de terror se tratasse, deitei-me no alcatrão. Prontamente chegou a ambulância que me levou num ápice para o hospital de São José.
Fui operado de urgência duas vezes num espaço de vinte e quatro horas. Estavam a tentar não me amputar a perna. Tinha feito trinta e cinco fracturas na perna esquerda, cinco delas expostas. O joelho e pé desfeitos. A bacia partida dos dois lados e mais grave, tinha rasgado a artéria femural. A prioridade dos médicos foi pararem a hemorragia da artéria, pois poderia ter morrido se assim não fosse. Quando dei entrada no hospital fizeram-me logo um bypass na artéria, que não se aguentou. Voltei a ser operado para colocarem uma prótese no lugar do bypass, que ainda hoje trago comigo! Foi o que me safou a vida e de ficar com a perna. Na segunda operação, aproveitaram também, para me colocar uma parafernália de ferros de apoio para manter os ossos unidos. Nunca em São José tinham colocado tantos ferros numa perna só! E não se esqueçam que estamos a falar de um dos hospitais portugueses que mais sinistros vê por ano!
Já instalado na enfermaria de ortopedia tinha-me calhado a cama trinta e três e comigo encontravam-se mais quatro pessoas. Entre eles do meu lado direito, o Rui, o rapaz que tinha estado a meu lado nos cuidados intensivos quando acordei e com quem mantive relacionamento depois de abandonar o hospital. O Rui era um miúdo na casa dos dezoito anos que tinha partido a perna num acidente de mota, nada de muito grave mas hipocondríaco como era, parecia-lhe o fim do mundo.
Num hospital como São José, a melhor altura para se conseguir dormir e realmente descansar, não é à noite mas a seguir à ronda da manhã dos enfermeiros e até à hora das visitas. O que contemplava umas boas cinco horas de sono. Certo dia, tinha eu acabado de receber os meus tratamentos diários, tomado o pequeno-almoço e preparava-me para dormir. Coloquei os headfones para abstrair-me do barulho das obras no andar de cima. Disse um até já, aos meus companheiros de enfermaria e fechei os olhos. Cinco segundos bastaram para ouvir aquele som tão característico, abri os olhos e vi um vulto a cair do tecto na direcção da minha perna, seguido por uma dores excruciantes e um alvoroço à minha volta. Os enfermeiros entraram a correr, depararam-se com um espectáculo no mínimo improvável de acontecer num sítio daqueles, eu a contorcer-me com dores na cama, por cima de mim faltava um bocado do tecto que se tinha estilhaçado sobre a minha perna! Prontamente deram-me uma dose de morfina, mais tarde soube o que aconteceu. Um dos senhores das obras, no andar de cima não colocou o pé em cima da viga como era suposto e fez com que parte do tecto desabasse. O impacto foi de tal ordem, que os médicos tiveram mais tarde, noutra operação, de corrigir o posicionamento dos ferros. O Rui esteve umas boas duas noites sem dormir a olhar fixamente para o tecto a pensar que também ia acontecer-lhe o mesmo. Como se ficar a olhar para o tecto, fosse de alguma maneira impedir que este se aluisse sobre ele!
Já se tinham passado um mês desde que estava na enfermaria e eu continuava a dizer aos médicos e enfermeiros que tinha algo no braço esquerdo, não sabia explicar mas sentia que tinha um objecto estranho dentro do braço... Nunca fizeram caso, então casmurro como sou, guardei uma faca do pequeno-almoço. Escarafunchei o braço, cortei, cortei e finalmente dei com uma pedra de alcatrão, com cerca de meio centímetro de diâmetro. Retirei-a orgulhoso, por ver que estava certo e digo para o Rui: - Estás a ver! Tinha ou não tinha razão? Ao que ele com os olhos quase a sairem das órbitas, levanta a mão e apontando o dedo para o meu braço, desmaia-me! Estava tão contente por ter retirado aquele objecto estranho e nem reparei, que com a brincadeira, tinha sangue a escorrer pelo braço abaixo! O enfermeiro, com maus modos lá me cozeu o braço com três pontos a sangue frio. Acho que custou-lhe admitir que eu tinha razão!
No segundo mês de estadia, tentaram com que eu saísse da cama e fosse para uma cadeira de rodas. Com algum esforço lá consegui sentar-me. Isto aconteceu perto da hora do almoço e como me sentia bem, tirando algumas tonturas, o que era normal, mantive-me até perto da hora das visitas na cadeira e pensei: - Vou fazer uma surpresa ao meu pai e vou esperar-lo lá fora! Assim foi, saí da enfermaria e fui encostar-me à parede junto a um banco. Travei a cadeira de rodas e por lá fiquei à espera do meu pai. Do meu lado direito encontrava-se o hall dos elevadores, à esquerda umas escadas para o piso inferior e uma rampa para o piso superior. O Hall começo a apinhar-se de visitas que aguardavam a hora de entrada e eis que oiço um voz a gritar: - CUIDADO! Era o senhor que trazia o carro da roupa. Vinha a descer a rampa e não teve forças para suster o peso que trazia no carrinho e largou-o. Este vinha desenfreado pela rampa abaixo e só parou a sua viagem quando embateu de encontra a minha perna! A cadeira de rodas que estava travada deu uma volta de noventa graus e eu só tive forças para dizer: - Levem-me para a cama! De seguida desmaiei!
Em Janeiro, tive mais um acontecimento insólito! O meu corpo começou a ficar coberto de bolhas, tinha constantemente comichão e quando arrebentava uma dessas bolhas, ardia-me insistentemente como se tivesse feito uma queimadura. Chamaram a dermatologista de serviço, para compreenderem o que se passava comigo. Fiz análises de urina e sangue. Nenhum médico chegou a uma conclusão sobre o que me apoquentava e já se tinham passado três dias desde o aparecimento da primeira bolha. Sentia-me cada vez mais desconfortável com comichão, ao ponto de não conseguir dormir. Até que chegou sábado à noite e o meu avô que é pediatra, veio visitar-me. Ao chegar à porta da enfermaria, bastou-lhe olhar para mim e disse: - Como foi que apanhaste varicela? Eu espantado com aquela afirmação desabafei: Finalmente alguém diz-me o que tenho! Foi preciso vir o meu avô visitar-me para descobrir do que padecia! Incrivel mas verídico!
Quando tive o acidente, ainda tinha na coluna placas e parafusos, resultantes do episódio com a mota. Ganhara uma prenda durante uma das operações à coluna! Uma infecção de nome Estafilococos Aureus, um bichinho que ainda hoje me acompanha! Esse estafermo fez com que o corpo começasse a rejeitar as placas e por consequência a tentar expeli-las, abriu um buraco no centro da coluna onde se via perfeitamente a olho nu as placas! A juntar à parafernália da minha armadura na perna tinha mais este adorno para a indumentária perfeita de Robocop! Como o meu médico pessoal, doutor Noronha e Andrade, trabalhava também neste hospital, pensei que poderia ser operado durante a minha estadia para retirar as placas mas... existe sempre um mas na minha vida! O médico responsável pela perna, tinha tido anos antes, atritos com o Doutor Noronha e não se falavam. Ou seja, quem se queimou foi aqui o mexilhão! Pois por ordem expressa o doutor Noronha e Andrade estava proibido de me ver! Vinha visitar-me às escondidas! Ridículo, mas verdade! Só fui operado à coluna, no hospital da Cuf, quinze dias depois de ter alta de São José.
Houve mais episódios durante a minha estadia em São José, os suficientes para escrever um livro mas achei melhor só contar os mais relevantes! Já se passaram alguns anos desde essa estadia. Acredito que devia receber uma medalha por ter sobrevivido às aventuras que lá passei e ainda hoje sempre que tenho que lá voltar, fico nervoso à espera de ver o que vai me acontecer mais!

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