Nuno completava os exames finais do ensino obrigatório, adiando uma decisão que não pretendia tomar. O seu forte sempre tinha sido o desenho e o seu pai pretendia que o filho fosse arquitecto. Embora não estando convencido dessa escolha, pretendia fazer a vontade paternal mas para dar continuidade aos estudos, abria-se um dilema na sua mente. Não poderia manter-se no colégio que acolhera-o nos últimos quatro anos, por não leccionarem essa área.
Após o último exame e levado por um impulso trocista, lembra-se de fazer mais uma das suas tropelias e dirige-se à sala de ping-pong deserta. Começa a desenhar nas paredes, pinturas obscenas e cómicas de carácter sexual tendo por personagens alguns dos professores. Inocentemente ou talvez ingenuamente não compreendeu a gravidade do seu acto. Facilmente foi descoberto o autor da obra, culminando com a chamada de Madalena ao conselho directivo do colégio. O convite para abandonar o colégio, foi a alavanca necessária para forçar a decisão que Nuno não queria tomar. Transferir-se para outro colégio.
Madalena, decide então inscrever os dois filhos no colégio onde o pai de Nuno tinha estudado e que sempre afirmara ser o local onde gostaria de ver os filhos. O episódio das pinturas murais, foi escondido do pai, não havia razão para azedar uma relação que já por si não era saudável. Pai e filho, eram distantes e era frequente existirem discussões motivadas por essa distância que o Pai sempre cultivou. Madalena, achou que Luís ter conhecimento do episódio, não iria abonar para melhorar esse relacionamento. O Pai contente por saber que os filhos iriam para o "seu" colégio, nunca desconfiou da razão para a mudança.
Ao entrar neste novo mundo, Nuno voltou a sentir-se perdido. Deparou-se com uma realidade bem oposta. O ensino era bem mais exigente e embora fosse causa de apreensão, não era tão assustador como as diferenças que encontrou na convivência com os outros colegas. A existência de uma diferença bem realçada entre os grupos sociais, causava-lhe revolta e injustiça e era algo com que não sabia lidar. Por um lado haviam os betos, onde todos se vestiam de igual, com uma postura intransigente no rigor das peças de roupa utilizadas, da maneira de estar, de falar, que se consideravam superiores e apresentavam uma postura arrogante perante os outros. Do outro lado da barricada existia um grupo mais reduzido. Os renegados, que era onde se enquadravam todos os outros adolescentes que não cumpriam a rigor as normas impostas pelos betos. O adolescente que não lidava bem com imposições e injustiças foi proscrito a ser parte do segundo grupo.
Foram três anos, em que a rebeldia foi crescendo dentro de si. Nuno fazia questão de distanciar-se da postura do grupo predominante. Sempre que podia escapulia-se do colégio, furou a orelha, começou a andar de botas e calças de ganga rotas e era o primeiro a fazer frente quando presenciava alguma injustiça cometida contra um dos renegados. A revolta que crescia, por ter de se manter num colégio onde tinha de conviver com pessoas com quem não se identificava, era reflectida nas atitudes que tomava e que muitas dores de cabeça trouxeram a Madalena. Nuno tornou-se um adolescente problemático.
Ao chegar aos dezoito anos, Nuno já trazia consigo um historial de conflitos. Era frequente ver o rapaz entrar em rixas, para tomar partido na defesa de alguém. Cometeu muitos actos de rebeldia e embora escondesse dos pais muitas das loucuras que fez, as discussões com o Pai acentuavam-se, por cada vez menos entender a postura distante e crítica que o progenitor assumia com os filhos. O único refúgio que encontrava, era em casa da sua Querida, onde o adolescente não se deparava com julgamentos mas com uma abordagem positiva na tentativa de chamar-lo à razão.
Foi também neste período que Nuno conheceu o seu primeiro amor. Uma discreta morena, de olhos verdes, com um sorriso que explanava ternura e uma inocência que Nuno admirava mas que já tinha perdido. Foi um verão inesquecível, onde os dois adolescentes passaram horas infindáveis à conversa, a deambular pelas páginas da vida de cada um. O brilho reflectivo pelos olhos dela, sempre que Nuno falava, enchiam o coração do rapaz e a ternura que ela colocava em cada gesto, traziam-lhe um reconforto que não conseguia encontrar em outro lugar. Ana, vinha de uma família conservadora e que não viu com bons olhos o namoro com um rapaz que se apresentava de brinco na orelha e calças rasgadas. Tomaram-no por marginal e Nuno sentiu-se injustiçado. A mãe proibiu a filha de dar continuidade à relação e embora os adolescentes ainda tivessem tentado manter o namoro às escondidas, a pressão de toda a situação, fez com que Ana quebrasse. Nuno sentiu-se impotente para alterar o curso dos acontecimentos e embatendo na intransigência da mãe de Ana em alterar a imagem que tinha sobre si, os adolescentes não encontram outra solução que não fosse terminar o namoro. Nuno perdia assim o primeiro pedaço do seu coração.
Vendo-se perdido, sem saber que rumo dar e tendo a percepção que manter-se junto das más companhias, com um estilo de vida degenerativo, não agourava um bom futuro, decide que a única solução para os seus problemas é sair de Lisboa. Se pretendia ser alguém, teria de distanciar-se.
Um dia decide ligar para o Instituto da Juventude e perguntar que cursos sobre arte existiam fora de Lisboa. Deram-lhe duas opções. Porto ou Coimbra. Porto é uma cidade, onde Nuno nunca se sentira confortável, talvez pela sua escuridão ou pela falta de orientação que sentia sempre que se deslocara à capital do norte. Coimbra, por sua vez, trazia-lhe boas memórias. Era o lugar onde ia todos os anos acompanhar o Pai, no Rali Rainha Santa. Já conhecia algumas pessoas da cidade, os pais tinham lá amigos. E as visitas à cidade estudantil eram a única altura do ano, onde Pai e filho, mantinham uma relação saudável. Estava decidido, iria optar por Coimbra.
Sem colocar os pais a par da sua decisão, decide rumar a Coimbra e fazer a sua inscrição. Levantou-se cedo e seguiu com um amigo, em direcção à estação de comboios. Era o último dia para fazer a adesão e chegou mesmo em cima da hora de fecho. Tratou da papelada e rumou de volta a Lisboa, sem que mais ninguém além do amigo, soubesse da sua opção.
Ao chegar a hora do jantar, surgiu o comunicado: -Vou estudar para Coimbra! Os pais olharam um para o outro e enquanto Luís soltou uma gargalhada, Madalena manteve a vista no rapaz, com um ar sério. Luís replicou: - Tu pensas que isto é assim? Agora queres ir estudar para Coimbra e vais!? Nuno mantinha-se calmo a encarar o pai de frente e retorquiu: - Já inscrevi-me. Madalena, que contemplava o diálogo, percebeu imediatamente que o filho estava decidido.
Passaram as duas horas seguintes a tentar demover o adolescente, que o investimento que teriam de fazer, seria a última oportunidade para o filho se redimir e que desistir não era uma opção. Mesmo assim, não conseguiram demover o filho da decisão e em Setembro, Nuno iria dar continuidade à sua vida na cidade estudantil.
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MM design
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