The Real Johnny Bravo

Histórias de um livro chamado vida

Os próximos postes, será o abrir de cena. Deixar visível, todo um percurso de vida. Este sou eu, sem máscaras, sem defesas, sem grandiosidades. Apenas eu.

Era uma vez...

O início desta história começa num dia relevante para Portugal. 25 de Abril de 1974, dia da revolução dos cravos. Luís, recém-casado com Madalena, sai de casa, para mais um dia de trabalho, como outro qualquer. Deixa a sua casa em Oeiras e faz-se à marginal em direcção à baixa de Lisboa, onde na rua dos Fanqueiros, o seu pai tem a sede da empresa onde trabalha.
Ao passar pelo Restelo, estranha tanta movimentação no trânsito. Está uma brigada a vedar o acesso ao centro de Lisboa e é com espanto que fica a saber que se está a dar o golpe de estado que viria a mudar a sua vida.
Resignado, sem alternativa, regressa a casa, onde Madalena, já a par dos acontecimentos, recebe-o apreensiva com o desenrolar dos acontecimentos. Sem possibilidade, limitam-se a contactar a restante família para  inteirar-se que se encontram todos bem. Nessa tarde, deixam-se cair na cama, alheando-se do caos que reina no país. Fazem amor, sem imaginarem que nessa tarde, geram o seu primeiro filho.

22 de Janeiro de 1975, na Clínica São João de Deus, nasce Nuno. Uma lufada de esperança, para toda a família num tempo conturbado de muitas incógnitas sobre o futuro. A empresa do pai de Luís, tinha sido saneada e o recém-casal encontrava-se dependente da ajuda de familiares para sobreviver.
Foi como um raio de sol, como um sinal da bonança, que  o primeiro filho, o primeiro neto, desejado por ambos os lados da família, chegou a este mundo. Desde cedo, a criança foi acarinhada por todos, tomando prioridade nas atenções de todos.
O casal, vendo-se sem perspectivas de futuro risonho e vivendo em situação periclitante, toma a decisão, como muitos portugueses nessa altura da história. Imigrar era a solução. O destino escolhido? Brasil. O pai de Luís, tinha  alguns contactos no outro lado do Atlântico e um desses amigos, tinha uma vaga de emprego para Luís.
O casal opta, pela ida de Luís em primeira instância, até conseguir estabelecer-se e assim poder receber a esposa e o seu pequeno filho, com o mínimo de comodidade.
Luís, desfez-se do seu primeiro amor, um MGB vermelho descapotável, para assim conseguir angariar provisões para a viagem e os primeiros tempos em terras de Vera Cruz. Madalena abandou o apartamento em Oeiras e retornou com o seu bebé à casa dos pais, no centro de Lisboa.
Luís partiu, quando Nuno ainda nem conseguia ter a percepção da sua ausência. O seu pequeno filho, ainda só tinha 3 meses de vida. Não tinha noção do passo importante que esta acontecimento teria no seu crescimento.
Luís, chegou a Salvador, capital do estado da Baía. Foi trabalhar para um hotel, onde fez um pouco de tudo. O menino burguês do Castelo, deixou de lado as mordomias que sempre estiveram presentes na sua vida. Cerrou os dentes, convicto da importância que acarretam as responsabilidades de sustentar uma família e predispou-se a tudo para conseguir dar o melhor aos seus. Serviu às mesas, trabalhou como recepcionista e aproveitava as folgas, para ir a entrevistas de trabalho, em busca do El Dourado. Foi  numa dessas entrevistas que conseguiu empregar-se como vendedor na Martini Rossi - Sul Americana. Com o primeiro ordenado, abandonou o hotel onde trabalhava e vivia, e alugou um T2 numa cave de um prédio, no centro de Salvador. O chefe de família, com 25 anos, tinha reunido as condições mínimas para acolher a sua família.

Nuno, agora com 10 meses, partiu de mão dada com a sua mãe, para os braços do pai, que aguardava-os no outro lado do Atlântico. No dia de embarque, toda a família rumou ao aeroporto de Lisboa, para as despedidas. O menino que os seus Avós maternos acarinharam, como sendo seu durante 7 meses, partia sem data de retorno.
Os primeiros dois anos passaram-se, sem grandes luxos. A excepção, eram os almoços de fim-de-semana, no Pátio Alfacinha. Restaurante de um casal português, onde Luís e Madalena, tinham encontrado o abrigo, para manutenção de um laço com a sua pátria. Madalena, tinha começado a trabalhar numa empresa de eventos de um casal brasileiro, com quem ganharam amizade e que conhecera no restaurante português. Luís, subia a pulso dentro da empresa, sendo promovido a chefe de vendas da região.
Aos 2 anos,  Nuno começou a passar mal de saúde. A criança, não se tinha adaptado ao clima tropical e a viver numa cave, onde a humidade era presença assídua, fizeram com que as suas defesas ficassem periclitantes. Numa ida ao médico, ficou decidido, a criança teria de retornar imediatamente a Portugal, até ganhar imunidade ao clima. Foi com tristeza no olhar mas com a noção de que estarem a tomar a melhor decisão, que os pais de Nuno, embarcam o filho em direcção aos braços dos Avós maternos, em terras lusas.

No carinho dos braços dos Avós e da tia, tudo parecia fazer sentido, a amurada familiar no qual estava envolvido, tornaram a vida da criança saudável e feliz. Era um menino que transbordava felicidade, com um olhar expressivo e de sorriso pronto, sendo incutido de uma educação firme e de boas maneiras, que muitos elogiavam. O seu apetite voraz e bom comportamento à mesa de refeição, eram tema recorrente de apostas nos jantares semanais do seu Avô Papi e do grupo de amigos, para o qual a criança era convidada frequentemente.
Era um miúdo que cedo demonstrou ser avido de conhecimento e que apresentava uma aptidão precoce para o desenho, dom que herdara do pai e que deixava a sua Avó muito orgulhosa. Senhora que muito apreciava as artes e cultura, e inspirada com a curiosidade da criança, a Avó, fazia questão em proporcionar o acesso à cultura, incentivando a criança a desenvolver as suas capacidades. A sua relação com a Avó, tornou-se quase umbilical. A maneira ternurenta e dedicada que a Avó tinha para com aquela criatura roliça, de olhar brilhante, fizeram brotar da boca de Nuno, o epíteto porque a partir desse momento todos os familiares passariam a tratar a Avó. Querida.
Foi sustentado por um ambiente familiar feliz, que Nuno cresceu e ganhou as defesas que necessitava. Com quase três anos de vida, viu a sua mãe retornar a Portugal, para dar à luz um irmão. João nasceu no final do verão e Nuno ganhava assim um cúmplice com quem partilhar as atenções. Eram crianças completamente opostas fisicamente. João era um bebé delgado e moreno ao contrário de Nuno, com a sua pele alva, olhos claros, cabelo loiro e gordinho. As diferenças de personalidades também se realçavam. Se Nuno fora precoce na sua curiosidade e aptidões, João demonstrava preguiça em aprender. Nuno era mais dado, João mais descontraído com a vida. Nuno traduzia tudo o que João balbuciava e que era incompreensível para todos. João por sua vez era um bebé sereno e ágil de movimentos, bem diferente de Nuno para quem andar, ainda era uma estranha coordenação de movimentos.

Assim que foi possível, Madalena e os seus dois filhos voltaram para o Brasil, onde Luís aguardava a chegada da família. As condições que Nuno encontrou eram outras. O seu pai tinha subido a pulso dentro da empresa, o que implicava uma melhor qualidade de vida. Um apartamento num primeiro andar numa zona de classe média alta, era a sua nova casa. Estas mordomias, implicavam uma ausência do pai durante longos períodos e Nuno ressentia-se dessas ausências, que o pai tentava colmatar com presentes e a mãe atenuava com um presença constante na vida das crianças.
Nuno ingressou na escola, onde o seu ponto forte continuava a ser o desenho. Era uma criança que demonstrava uma personalidade forte e onde a sua avidez de conhecimentos faziam dele um aluno atento. Sentia-se livre na Bahia, adorava andar descalço tendo sempre como companhia uma manta, a lembrar a personagem de Linus da banda desenhada do Snoopy. O Avô Papi, fervoroso adepto dos Belenenses, enviara como presente para as crianças, equipamentos do seu clube e uma bola de futebol. Foi o primeiro contacto de Nuno com esse desporto, sem imaginar que iria ter tanta dedicação àquele esférico durante a sua vida. Embora nenhum dos seus pais desse importância àquele desporto, Nuno ganhou imediato fascínio por aquele objecto redondo e com o chegar do Mundial de 82, compreendeu como aquele desporto movia multidões. Os pavimentos pintados com frases de incentivo à selecção, os vizinhos que se juntavam no salão para seguir os jogos e em que cada golo era festejado com um entusiasmo que Nuno nunca tinha presenciado. Até os seus pais, que não prestavam devoção, juntavam-se aos festejos.
Os fins-de-semana, eram dedicados ao círculo de amigos. Tornara-se uma tradição os encontros de sábado para os almoços, onde se tocava violão, cantarolando clássicos portugueses e brasileiros. Os amigos desenvolviam representações de peças, como o lago dos Cisnes ou simplesmente sentavam-se à mesa a degustar iguarias, que Nuno tanto apreciava.

Era uma fase feliz, à qual a família portuguesa tinha-se adaptado harmoniosamente, até Luís ser novamente promovido. Tinha 34 anos e ofereceram-lhe a posição de Vice-Presidente, a qual implicava mudarem-se para São Paulo. Mais uma vez, a família encontrava-se de malas aviadas para uma nova aventura. Mais uma vez Madalena foi o pilar das crianças. Com a mudança de cidade, Madalena dedicava o seu tempo aos filhos, onde o auge do dia eram os passeios de bicicleta da mãe com os seus dois filhos, pelas ciclovias daquela cidade caótica, tão diferente dos sons do mar que embalam Salvador. Tudo parecia conjugar-se mas o destino guardava outras ideias para esta família.

Contagem Ao Segundo