Passara-se um ano, desde a mudança para São Paulo e Luís encontrava-se agora num beco. O seu mentor profissional, que tinha promovido a sua ascensão na empresa, tinha sido despedido e as previsões de futuro não eram animadoras. O seu lugar estava em risco e antes de chegar a um limite extremo, negoceia um acordo de rescisão de contrato. Cansado e com saudades do seu país, Luís debatia-se com um dilema. Voltar a Portugal ou ficar no Brasil, voltando para Salvador. Madalena era a favor de ficarem, argumentava que o choque da mudança seria maligno para a relação e para os filhos que já estavam ambientados à cultura brasileira. Nuno, também era contra o retorno. Embora fosse muito novo, tinha a percepção que retornar, era sinal de abandonar tudo. Os seus amigos, a escola, o mundo que conhecia e que tomava como seu.
Mesmo contra a vontade da esposa e do filho, Luís decide voltar. Houve um jantar de despedida no Pátio Alfacinha com promessas de não perderem contacto mas que o tempo se encarregaria de apagar. Foi assim, num final de verão, que a família retornou a Portugal. Ficaram a viver em casa dos pais de Madalena, a pedido do Avô de Nuno. Não fazia sentido procurarem uma nova casa, com um apartamento tão grande e havia o argumento do apoio familiar, que seria de grande ajuda na adaptação e educação das crianças.
Para Nuno, os primeiros tempos foram de adaptação, sentia-se um corpo estranho neste novo mundo. O tempo era frio o que impossibilitava viver de pés descalços como sempre fazia. As outras crianças da praceta embora tenham aceitado a sua presença, como sendo mais um do grupo das crianças, faziam troça do seu sotaque brasileiro, o que enfurecia Nuno. Pensava que ser apelidado de Português quando vivia no Brasil, iria morrer agora que voltava à sua pátria. Ao invés, ganhou novo apelido. Era o Brasileiro, por causa do seu sotaque. Felizmente, perdeu o sotaque rapidamente, o que fez com que o apelido desvanecesse das bocas das outras crianças. Passou a ser conhecido pelo Luís Nuno.
Os anos de Brasil, foram muito protectores para com Nuno, fazendo dele uma criança pura e inocente e isso ficou provado com os primeiros episódios em Portugal. Nuno era o único pré-adolescente, que ainda acreditava no Pai Natal e embora este episódio possa ser visto com ternura, as crianças conseguem ser muito cruéis perante tal ingenuidade. Nuno chegou a brigar com outra criança, porque esta difamava a existência de tal personagem. Também nunca soube o que era um palavrão, nunca tinha ouvido pronunciar essas palavras proibidas nos seus anos em Terra de Vera Cruz e isso aguçou o azo dos outros miúdos na prontidão de ensinar-lhe. Eram os primeiros passos para a perda da inocência.
O que mais agradava a Nuno, eram as tardes. Dividia o seu tempo no jardim em jogos, a saltar os muros para surripiar as frutas das árvores e a jogar futebol, onde era considerado um dos melhores da praçeta e arredores. O final de tarde, era passado no café da esquina, onde estudava com a sua Querida. Era ver-lo fascinado, embevecido com a cultura da avó, deliciava-se com o desenrolar de conversas infindáveis, onde a avó explicava a história do mundo, das línguas, dos países distantes e culturas tão distintas. Estas palestras duravam até o seu Padrinho vir buscar a sua Querida para jantar.
Os fins-de-semana eram alternados entre os passeios por Sintra, a visitar os familiares que por essas bandas viviam, com almoços tardios pelos melhores restaurantes que proliferam nesta zona do país. O final de tarde eram dedicados às feiras, onde Madalena procurava as suas raridades. Por outras vezes, Nuno passava os fins-de-semana, com a sua Querida, em casa do Padrinho. Mesmo já adolescente, a Avó tratava-o com toda a ternura, como se de um ser frágil se tratasse. Eram os pequenos-almoços reforçados, que Nuno tanto apreciava, os banhos de espuma e os passeios por zonas históricas, onde a sua Querida deslumbrava-o, relatando as histórias que se escondiam em cada pedra, em cada rio, em cada paisagem.
Nuno entra no Liceu e o primeiro ano, é o sinónimo da difícil adaptação. O aluno aplicado, tinha dado entrada numa escola estatal, onde às más companhias conjugadas com as diferenças que encontrou no ensino, quase fizeram-lhe perder o ano. Madalena decide então colocar-lo num colégio particular, tentando salvaguardar alguma da inocência que o miúdo tinha perdido com esta mudança na sua vida.
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