No calor intenso daquele consultório, na espaço hospitalar mais familiar do que se desejaria, as palavras penetraram como farpas de vidro e a sensação de impotência de não controlar o destino, de não poder alterar-lo, revolta e frustra a mente jovem que ainda reside neste corpo de velho. Não sou eterno, ninguém é mas nunca tive tanta percepção de que não alcançarei a longevidade como agora e sinto-me de mãos atadas. Não há nada que possa fazer, que altere o passado ou mais importante que mude a rota do futuro.
Caiu-me a ficha, sinto-me assolado pela noção de que o melhor já passou e que agora é sempre ladeira abaixo. Sinto muita pena pelos erros que cometi, pela saúde que não tenho, por tudo aquilo que não consegui e ainda mais pelo que perdi. Poderia ter feito mais, poderia ter dado mais, sido melhor pessoa, menos arrogante, menos orgulhoso.
Vivi e soube viver intensamente tudo o que tive e que fui, nunca soube estar de outra maneira neste mundo. Paguei caro por esta postura mas foi assim que regrei a minha vida e enquanto me for permitido, será assim que por cá andarei. Não fui perfeito, fui singular, marcante pela positiva ou pela negativa mas ainda assim marcante. Não que já não tivesse essa percepção mas os últimos dias, embora triste, soube bem o conforto e carinho, mesmo que distante de tantas pessoas preocupadas com a minha saúde. Mas não chega, precisava de um milagre e esses não tendem a cruzar-se comigo.
Tive a mãe ao lado, os amigos em contacto mas é sozinho que tenho de enfrentar esta batalha, mais uma vez voltar ao ringue e lutar contra o temível e impiedoso adversário chamado destino. Ao pisar o ringue, o cheiro do tapete, recorda-me a ausência prolongada e o brilho nos olhos do rival de sempre, reflectem as rugas, marcas de vida entranhadas na pele desgasta. Falta fulgor para mais um assalto, perseverança não pode ser a única vantagem neste combate tão desigual. O sonho é condição de vida e a própria existência é o prémio final. Ao ver a expressão do inimigo, sinto-me desmoralizado, desgastado e ainda mais receoso. Hoje mais do que uma expressão jogada ao ar, posso afirmar. Estou velho.
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MM design
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