Numa era onde impera o egoismo,
onde a brutalidade do realismo apresenta-se em cada esquina e em que cada um
vive no seu casulo muito seu, muito fechado, há momentos que fazem-nos
acreditar na possibilidade de algo melhor, de um mundo mais justo e mais solidario.
Esse momento chegou-me através de um filho de um amigo meu. Ele fazia seis anos
e como era-me impossivel estar com o miudo no dia do seu aniversário, fui tomar
café a casa desse amigo na noite anterior, de maneira a poder oferercer a
prenda de anos.
O antes, o durante e o após da
entrega da prenda, fizeram passar por mim aquela brisa da juventude, que por
vezes faz retornar o que fui num reavivar
da sua presença. No arrepio da sua passagem, recorda-me que já fui feliz, que
também eu um dia tive aquele brilho ingénuo no olhar, onde o sorriso rasgado era
genuino. Foi assim que ganhei o dia. Voltei atrás no tempo...
Estou em casa do meu avô, rodeado
pelos meus pais, tios, primos e os avós. Excitado pela aproximação da
meia-noite, contando os minutos. Os brinquedos com que sonhei estão a chegar
porque eu portei-me bem o ano inteiro e o Pai Natal bem o sabe! Dizia para os
meus pais que era injusto, eu não poder ficar com eles a ver a chegada do Pai
Natal. Porque teria que estar com o meu irmão e os meus primos fechado no
quarto, se eu era o mais velho? Será que o Pai Natal, não percebia que os
adultos estavam a fingir? Eu também sei fingir! Pai Natal, eles não estão a
dormir!
Os adultos entravam no quarto,
chamando por nós e a correria para a árvore de Natal era enorme. A excitação
deambulava na cara de cada um de nós. Rodeávamos a árvore tentado adivinhar
através do formato dos embrulhos, o que cada um deles continha. Seria aquele
carro tele-comandado? Ou talvez o jogo de construção? Sentavamos impacientes,
para que a minha mãe começasse a distribuição das prendas. Cada um de nós aguardava
pela sua vez de receber a prenda, com o mesmo brilho nos olhos que revi no
outro dia na cara do filho do meu amigo. Soube-me bem recordar, soube-me bem
sentir-me humano, voltei ao presente e plantei os pés no chão ao sentir-me útil
a alguém, à felicidade de uma criança. Foi um momento agradável, que ao chegar
a casa reavivou outras recordações, outras emoções. Acima de tudo, levou-me à saudade.
Tenho perdido tantos momentos
cruciais da tua vida, Tento todos os dias fugir às culpas,
consciencializando-me que está para breve, será em breve, o dia em que seremos
mais unidos do nunca. Mas bateu-me a saudade ao recordar como nós brincámos os
dois no dia em que te dei a bateria. Recordas-te dela? O sorriso que vi no
outro dia na cara do outro menino, tinha as mesmas marcas do teu. Por qualquer
motivo inexplicável, rias sem conseguir parar, sempre que começavas a fazer
vibras as baquetes. Adoravas o som que emanava daquela bateria. Passámos horas
e horas nos batuques, até tu caires nos meus braços, com o peso do cansaço e do
sono. O sorriso que levavas quando adormeceste, foi o mesmo que revi na outra
noite, quando um menino ensonado me deu um beijo de boa noite e disse: –
Obrigado Tio Nuno!
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