The Real Johnny Bravo

Histórias de um livro chamado vida

Não sei precisar com exactidão o ano em que se passa esta aventura, se 91 ou 92 mas de uma coisa tenho a certeza, foi no inverno!
Nessa altura andava eu pelas lides dos estudos do liceu e como bom teenager estudante, todas as noites me encontrava com os meus amigos e colegas no nosso café favorito "O Diamante Negro", em pleno bairro dos actores em Lisboa, ponto de partida para esta história.
Como em tantas outras noites, como era usual, depois de jantar disse adeus à minha mãe e comuniquei-lhe que ia ao café com um "até já", mal sabia eu o quanto irónico seria esse "até já"!
Eis que chego ao café e deparo-me com o nucléo duro do costume, Luis Nuno, Ivo e Brito, três personalidades bem distintas umas das outras mas que no seu todo faziamos sentido. Luis Nuno "o beto", Ivo "o escarafunchoso" e Brito, essa personagem é impossível de descrever numa só palavra, companheiro de muitas aventuras, vou tentar descrever-lo para poderem imaginar a personagem, pois trata-se mesmo de uma daquelas personagens!
O Brito, era aquele rapazito gordo com uma grande penca que na primária era gozado por todos e que quando emagreceu uns quilos e ganhou barba cerrada, se tornou um excêntrico na adolescência, era um aficionado de tudo o que era americano, com especial relevância nos carros clássicos americanos e nas harley davidson, tendo por ironia não saber conduzir, nem carros nem motas com mudanças. Como era de prever vestiasse a preceito com a sua mentalidade, rabo de cavalo, casaco a imitar cabedal de forro lilás sobre um t-shirt branca e um lenço da bandeira americana ao pescoço, com umas calças de ganga roçadas e umas botas à cowboy tendo como acessórios o pormenor de uma correia para as chaves da marca harley davidson, e no bolso um zip com capa de cabedal e o maço de tabaco da Marlboro. Agora podem tentar imaginar a personagem!
Por esta altura o Brito namorava com uma rapariga, de nome Marta e que se encontrava a passar o fim-de-semana em Melides, terra que não fazia a mínima ideia onde ficava. Ao tomar o meu cafézito eis que o Brito me diz que tinha falado com ela e que tinha combinado de lá ir ter essa noite a uma discoteca e como queria companhia para a viagem começa a desafiar-me para ir com ele. A minha preocupação não era o só trazer uma camisa e um pulôver, era sim saber onde ficava Melides pois não queria chegar tarde, o Brito diz-me então que era perto de Setúbal e eu na minha ingenuidade, começei a pensar para com os meus botões - Eu de carro com o meus pais, até Setúbal, isso é um salto de meia hora, porque não vou? Deve ser giro! E assim foi aceitei o desafio e lá fomos!
Despedimo-nos do Luis Nuno e do Ivo e montados na potente acelera do Brito, que com dois passageiros atingia a alucinate velocidade de 60 Km/hora, lá nos dirigimos ao Cais do Sodré para apanhar o barco para a outra margem, nessa noite o frio era de rachar e eu tentava abrigar-me da melhor maneira possível do vento, pensado daqui a meia-hora estamos lá! A viagem de barco para a outra margem correu sem sobressaltos, o pior estava guardado para depois...
Ao chegar a Almada perguntámos qual o melhor caminho para Setúbal e quarenta e cinco minutos depois chegava-mos a Setúbal, onde nos informam que para ir para Melides era necessário apanhar o barco para Tróia e ainda fazer um bom trajecto de estrada! Conseguimos apanhar o último barco para Troia e fizemos toda a travessia do Sado fechados na cabine dos passageiros, a morrer de frio!
Já em Troia, a caminho de Melides vimo-nos numa estrada sem qualquer iluminação e eu olhava para um lado e para o outro e só via o recorte das àrvores e nem viva alma, para melhorar ainda o percurso, a estrada estava cheia de raizes, que fazia com que o caminho na acelera parecesse que estavamos numa mini montanha-russa! Quando começamos a ver luzes de habitações eis que nos deparamos com o estabelecimento prisonal de pinheiro da cruz, do melhor para dois miúdos que já estavam enregelados e com medo de ficarem apeados pelo caminho! Passadas três horas e meia e duas travessias de barco, desde que tinhamos saído do café, lá conseguimos chegar a Melides e á discoteca Big Rose, que mais nos parecia um oasis!
A nossa primeira atitude foi beber dois vodkas puros, só para aquecer e rogar umas quantas pragas à Marta por nos ter induzido em erro na real localização de Melides, afinal sempre são 110 km de distância! Com tudo isto já seria bem perto das três da manhã e precisavamos desesperadamente de por gasolina na mota para voltarmos e que bela notícia que nos dá o barman, gasolina só de manhã ou então em Grândola que eram mais 80 km, para os quais nós não tinhamos gasolina!
A Amiga da Marta, diz então que não há problema que ficamos em casa dela e nós óptimo, ficar na rua é que não, com este frio! Bem assim foi, lá entramos por um caminho de cabras atrás do carro de um amigo dessa miúda e chegados, a uma daquelas casa típicas alentejanas perdidas no meio do nada estava a mãe dessa rapariga à porta, à espera e danada da vida pois a filha estava atrasada com a hora combinada de chegada a casa! E eis que ouve então o pedido para receber dois rapazes desconhecidos e que no seu ponto de vista, tinham mau aspecto. Moral da história, pedido recusado! Bem lá nos despedimos das raparigas e fomos para o meio da vila à procura de uma residencial ou pensão onde pernoitar, pois meus caros amigos uma coisa vos informo em 91 ou 92, Melides não tinha qualquer residencial, pensão ou imaginário hotel! Nada!
Por esta altura seriam umas cinco ou seis da manhã e nós sem sitio para pernoitar, sem gasolina e cheios de fome decidimos sentar num banco de jardim perto da bifurcação da estrada principal, passados alguns minutos, estavamos eu e o Brito em amena cavaqueira a rogar pragas a Melides, e acontece que ouvimos um estrondo enorme vindo de trás de nós! O que era? O que seria? Bem lá fomos a correr ver o que se passava e eis que nos deparamos com um Lancia Y10 enfaixado num sobreiro e com 4 ocupantes lá dentro, o quinto encontrava-se a cerca de 50 metros mais à frente e eu só pensava - O que falta acontecer mais! Bem corremos a socorrer-los e enquanto o Brito os ajudava, eu fui bater às portas das casas a pedir para chamarem o 115, claro está que candidatei-me a ser corrido com umas quantas chumbadas, pois só ouvia - Vão-se embora gatunos! mas lá houve uma alma caridosa que chamou o 115. O que tinha acontecido foi que o condutor estava para lá de bêbado e tinha dado boleia a três tipos, os que vinham no banco traseiro, até Melides e achou que tinha um Ferrari, ora como eu ainda não conheço nenhum Y10 que faça curvas de sessenta graus a cem km/hora o resultado foi levarem o sobreiro para casa.
O condutor, com a cara toda cortada e cheio de sangue, onde não se visualizada um bocado de pele limpa, só dizia que queria voltar ao carro para desligar o rádio, quando este como é óbvio já nem funcionava, o pendura que entretanto miraculosamente, depois de cuspido do carro, levantou-se e não tinha qualquer problema, já os desgraçados que tinham apanhado a boleia, não tiveram a mesma sorte e tiveram mesmo de ir na ambulância. No meio deste caos, apareceram uns amigos desses coitados que, depois de a ambulância se ter ido embora, nos deram guarida até a bomba de gasolina abrir, o que nos calhou como uma dádiva vinda do céu!
Estivemos cerca de uma hora em casa desses rapazes, era uma casa que tinham alugado para passarem o fim-de-semana, cheios de frio pois o tecto consistia somente nas telhas, o que fazia com que o frio dentro de casa fosse o mesmo que na rua, e que gelo estava! Chegada a hora de abertura da bomba de gasolina, lá nos despedimos e arrancamos.
Ao visualizar a bomba, eu comento com o Brito - Olha que a entrada da bomba está cheia de areia, tem cuidado! Como reparei que ele nunca mais desacelarava e que já estavamos quase em cima da areia, cheguei à conclusão que o Brito sendo um azelha a conduzir e à velocidade que ia de certeza se ia estampar optei por saltar da mota, e foi o que fiz! Já o Brito não se safou a ir dar uns beijinhos ao alcatrão, o que me ri! Tremia de frio mas fartei-me de rir! O empregado da bomba lá veio socorrer o Brito que lhe doía mais o orgulho do que as feridas e as calças rasgadas e por fim enchemos o depósito! Agora só faltava mesmo era comer qualquer coisa e beber um leite ou café quente! O empregado lá nos indicou que o café central já estaria aberto e para lá nos dirigimos. Ao nosso ar de satisfação por imaginarmos um galão quente, responde-nos o empregado que estavam sem electricidade na vila! Que raio de lugar era aquele!? Explodi! Estava farto e disse, em alto e bom som ao Brito - Vamos embora para Lisboa, estou farto desta merda desta terra! E assim o fizemos, viemos embora.
O caminho de volta foi feito em turnos pois era impossível um de nós conduzir tanto tempo com o frio que estava, ainda pensamos em parar em Setúbal para tomarmos o pequeno almoço mas por essa altura as saudades das nossas casa e das respectivas camas era mais forte. Pelas onze da manhã cheguei a casa e que bem me soube enroscar entre os cobertores! Estava tão desorientado que nem percebi metade do sermão que a minha mãe tentou me dar por não ter dormido em casa, só quis correr para a cama e dormir, dormir...
Nunca contei esta história com todos os seus pormenores à minha mãe, também porque nesse dia fiquei quase vinte e quatro horas a dormir! Só fiz alguns comentários desta história quando ela decidiu, passados uns seis anos, adquirir uma casa de férias em Melides. O mais giro desta história é que a pessoa que a ajudou a arranjar a casa em Melides, que hoje é sua amiga e frequenta a casa da minha mãe, é a mesma senhora que me recusou abrigo à tantos anos atrás!

Contagem Ao Segundo